Resumo - Memórias Póstumas de Brás Cubas

Análise da obra

É a obra inaugural da fase realista de Machado de Assis, representando uma verdadeira revolução de idéias e formas: de idéias, porque aprofunda o desprezo pelas idealizações românticas, fazendo emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente; de formas, pela ruptura com a linearidade da narrativa e pelo estilo "enxuto". É também obra inaugural do romance psicológico no Brasil.
É a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado de Assis atinge o ponto mais alto e equilibrado da ficção brasileira.

É o drama da irremediável tolice humana. São as memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas, que tudo tentou e nada deixou. A vida moral e afetiva é superada pela existência biologicamente satisfeita, e as personagens se acomodam cinicamente ao erro.

Estrutura da obra

A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica narrativa surpreendente e inovadora. A seqüência do livro não é determinada pela cronologia dos fatos, mas pelo encadeamento das reflexões do personagem. Uma lembrança puxa a outra e o narrador Brás Cubas, que prometera contar uma determinada história, comenta todos os outros fatos que a envolvem, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois.

Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas fluem segundo o ritmo do pensamento do narrador. A aparente falta de coerência da narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna, oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de um homem que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor de seus desejos.

Logo nas primeiras páginas, o escritor brinca com a expectativa do leitor de chegar logo às ações do romance. Machado de Assis, por intermédio do seu narrador, se dirige diretamente ao leitor, metalingüisticamente, para comentar o livro. Diz Brás Cubas:

“Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem”.

Personagens

Brás Cubas - narrador - morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo. Peralta quando criança, mimado pelo pai, irresponsável quando adolescente, tornou-se um homem egoísta a ponto de discutir com a irmã pela prataria que fiou de herança do pai e tornar-se amante de seu amigo, Lobo Neves, se bem que nesse romance não se pode dizer propriamente que alguém é amigo de outro.

Virgília - filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento Cubas A “Ursa Maior” amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse. Mulher bonita, ambiciosa, que parece gostar sinceramente de Brás Cubas, mas jamais se revela disposta a romper com sua posição social ou dispensar o conforto e o reconhecimento da sociedade. 

Damião Lobo Neves
- casado com Virgília, homem frio e calculista. Marido de Virgília, homem sério, integrado ao sistema, ambicioso, mas muito mais supersticioso, pois recusou nomeação pra presidente de uma província só porque a referida nomeação aconteceu num dia 13.

Quincas Borba - menino terrível que dava tombos no paciente professor Barata, colega de escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que rouba-lhe um relógio mas retorna-o ao colega após receber uma herança. amigo de infância do protagonista. Desde criança era de um temperamento ativo, exaltado, querendo ser sempre superior nas brincadeiras. Cubas diz que ele é impressionante quando brinca de imperador. Quando adulto, passa pelo estado de mendigo, evoluindo depois para filósofo e desenvolve um sistema filosófico, denominado Humanitismo, que pretende superar e suprimir todos os demais sistemas até tornar-se uma religião.

Marcela - Segundo grande amor de Brás Cubas, uma prostituta de elite, cujo amor por Brás duraria quinze meses e onze contos de réis. Mulher sensual, mentirosa, amiga de rapazes e de dinheiro. Ganha muitas jóias do adolescente Brás Cubas. Contrai varíola e fica feia, com a pela grassa como uma lixa.

Sabina - irmã do narrador e que, como ele, valoriza mais o interesse pessoa e a posição social do que amizade ou laços de parentesco.

Cotrin - casado com Sabina, é interesse, traficante de escravos e cruel com eles, mandando-os castigar até correr sangue.

Eugênia - Filha de Eusébia e Vilaça, menina bela embora coxa. Era moça séria, tranqüila, dotada de olhos negros e olhar direito e franco. Tinha “idéias claras, maneiras chãs, certa graça natural, um ar de senhora, e não sei se alguma outra cousa; sim, a boca exatamente a boca da mãe".

Nhá Loló - moça simplória, tinha dotes de soprano - morre de febre amarela.

Cotrim - casado com Sabina, irmã de Brás; ambos interesseiros.

Nhonhô - filho de Virgília.

D. Plácida empregada de Virgília confidente e protetora de sua relação extra conjugal.

Enredo

Conta a história de Brás Cubas a partir de sua morte, já que inicialmente o próprio narrador observa que para tornar a narrativa mais interessante e "galante" havia decidido começá-la pelo fim -; ele era, portanto, não um autor defunto mas um defunto autor-. Assim, o primeiro capítulo começa justamente com a morte de Brás e seu enterro. A causa de sua morte teria sido, oficialmente, uma pneumonia, da qual ele não cuidou de forma correta. Entretanto, sua morte de fato deve-se a uma idéia, segundo ele, grandiosa e útil, uma idéia que se transformou em fixação. Um dia de manhã, caminhando pela chácara onde vivia, pensou em inventar um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a melancólica humanidade. Para justificar a criação de tal emplasto frente às autoridades, brás chamou a atenção de que a cura que traria seria algo verdadeiramente cristão, além de não negar as vantagens financeiras que o tal produto traria. Contudo, já do outro lado do mundo, confessa que o real motivo era ver seu nome escrito nas caixinhas do medicamento e em todas as fontes publicitárias, pois as embalagens levariam seu nome.


Brás Cubas nasceu no dia 20 de outubro de 1805. Foi uma grande festa para toda a família. Houvem muitas visitas à casa e o pai estava orgulhoso por haver tido um filho homem. Todas as informações dadas são curtas, mas revelam os mimos recebidos pelo garoto durante toda a infância. Desde os cinco anos recebera o apelido de "menino diabo". Reconhece ele mesmo que, de fato, foi um dos mais malvados e travessos de seu tempo. Uma de suas diabruras foi ter quebrado a cabeça de uma escrava porque ela lhe negara uma colher de doce de côco, quando o menino tinha seis anos. Prudêncio, um moleque escravo da família, era seu cavalo de todos os dias. Brás conta ainda diabruras que fazia, entretanto, na disso parecia ter importância para seu pai, que o admirava e, se lhe repreendia na presença dos outros, em particular lhe dava beijos. Com nove anos, o garoto assistiu em sua casa um jantar organizado pelo pai em comemoração à derrota de Napoleão. No final do jantar, Brás queria uma compota de doces, mas todos estavam distraídos escutando um dos letrados presentes, o doutor Vilaça, que fazia glosas e recebia, naquele momento, todas as atenções dos convidados. O menino começou a pedir o doce, depois gritou, berrou e foi tirado da sala por tia Emerenciana.


Isso bastou para que sentisse uma enorme necessidade de vingança contra o doutor Vilaça. Ficou vigiando-o até surpreendê-lo numa noite beijando dona Eusébia, irmã de um sargento-mor. Para que todos soubessem, saiu pela chácara gritando o que havia visto. Em seguida, após relatar tal episódio, Brás conta que cresceu normalmente. Foi à escola, que ele chama de enfadonha, onde teve aulas com um professor de nome Ludgero Barata. É justamente ali que conhece um de seus melhores amigos de infância, Quincas Borba, com quem se reencontrará mais tarde. Ambos garotos revelam-se travessos e mimados, já que o Quincas era filho único, adorado pela mãe, que o vestia muito bem, mandando um pajem indulgente acompanhá-lo a todos os lugares. Passado este período da vida do personagem, sobre o qual ele pouco fala, revela-nos seu caso com uma prostituta espanhola, a primeira mulher de sua vida. Brás a conheceu quando tinha dezessete anos. O jovem estava completamente envolvido pelos encantos da bela Marcela, a quem conseguiu conquistar, o que, contudo lhe custou muitas jóias caras e presentes diversos. Brás confessa-se muito apaixonado neste período, motivo pelo qual o pai enviou para estudar na Europa, receoso do envolvimento profundo do filho com uma prostituta. Brás viaja para Portugal, onde estuda. Confessa haver sido um estudante medíocre, mas nem por isso deixou de conseguir o diploma. Nos tempos da universidade, apenas mencionados, preferia sair a fazer qualquer tipo de tarefa ou estudo. O diploma que lhe conferem estava longe de representar o conhecimento artificial que havia adquirido, artificialidade esta que marcou toda a sua vida e as ações das pessoas que estavam à sua volta. De volta ao Rio, Brás chega a tempo de ver sua mãe viva, mas já muito mal, à beira da morte, por causa de um câncer no estômago.


Pela primeira vez, deparava-se com uma perda real e confessa que até então era um presunçoso que apenas havia se preocupado com coisas fúteis. Estava inconformado com a morte da mãe, pois lhe parecia enorme injustiça que uma pessoa tão santa, em seu jugamento, pudesse morrer de tão implacável doença. Por isso mesmo, após a missa de sétimo dia, resolveu passar algum tempo numa velha propriedade da família localizada na Tijuca. Levou consigo alguns livros, uma espingarda, roupas, charutos e Prudêncio. Ali ficou durante uma semana, quando então já se mostrava cansado da solidão e havia decidido voltar à cidade. Justamente neste momento, o escravo conta ao patrão que na noite anterior havia se mudado para a casa ao lado uma antiga amiga da família, dona Eusébia, com uma filha. Brás reluta, não quer revê-la, já que se lembra da travessura da infância, quando denunciara a mulher e o doutor Vilaça que se beijavam às escondidas atrás de uma moita. Prudêncio, entretanto, recorda-lhe que fora dona Eusébia quem vestira sua mãe já morta. Ele decide, assim, visitá-la para retornar em seguida para a cidade. Nesse mesmo dia, pai de Brás sobe à chácara, pois quer sua volta à vida social. Traz consigo dois projetos para o filho: uma candidatura a deputado e um excelente casamento com uma moça de nome Virgília, filha do conselheiro Dutra, importante político. Brás reluta, mas o pai não se deixa vencer.


Aconselha o filho, dizendo-lhe que ele não devia ficar ali, era preciso temer a obscuridade, as coisas pequenas. Conclui dizendo que o fundamental era valer pelo que a sociedade pensava. Brás concorda, finalmente, com os projetos e diz que descerá no dia seguinte, já que precisava visitar dona Eusébia. De fato, a visita à velha amiga da família retardou a descida de Brás, que permaneceu ainda alguns dias na chácara. Foi ali que conheceu Eugênia, a quem ele mentalmente chamava de "a flor da moita", pois a jovem era fruto das relações ilícitas entre dona Eusébia e doutor Vilaça. O narrador simpatiza com a jovem e, mais que isso, pensa que pode tirar proveito da situação. Cinicamente, lembra-se como era a mãe, motivo pelo qual espera conseguir algo da filha. Consegue, é verdade, beijá-la, entretanto, a moça revela-se dona de enorme dignidade, o que confunde Brás Cubas. ALém disso, ele descobre que Eugênia tem um defeito de nascença: é coxa (manca). Todos esses aspectos fazem com que ele confirme que não se deve envolver seriamente com ela, já que, além de tudo, ela estava em condição social inferior à sua. (Preconceito) Resolvido a terminar qualquer tipo de relacionamento, Brás volta à cidade, disposto a acatar os dois projetos do pai. Conhece Virgília, começam a namorar e ele está em vias de candidatar-se. Nesse ínterim, passa por um ouvires certo dia para consertar o vidro do relógio que lhe havia caído e depara com Marcela, que agora está com o rosto repleto de bexigas. A beleza de sua juventude desaparecera, dando lugar à deformação, que o narrador faz questão de descrever detalhadamente. Aquela visão o incomoda por algum tempo, entretanto não dura muito, como praticamente todos seus problemas. Algum tempo depois de seu noivado com Virgília, surge, de repente, Lobo Neves, um homem inteligente e astuto, que lhe arrebata Virgília e a candidatura. O pai nào resistiu ao fracasso do filho, o que teria acelerado sua morte, quatro meses depois, tempo durante o qual ele repetia decepcionado a expressão "Um Cubas", incorfomado com a sorte do herdeiro da família. Passada a morte do pai, os irmãos Brás e Sabina, com a participação de Cotrim - marido de Sabina -, fazem a partilha dos bens. Arma-se uma grande e mesquinha discussão, os dois brigam por causa da herança deixada pelo pai, desde propriedades atá a prataria, motivo de grande desavença, pois nenhum dos irmãos queria abrir mão da antiga relíquia da casa, usada em ocasiões importantes como o jantar em comemoração à derrota de Napoleão. No fim da disputa, os dois irmãos saíram brigados e já não conversam entre si. Por esta mesma época, Brás recebe Luís Dutra, um primo de Virgília, a notícia de que ela estava voltando de São Paulo com o marido, então deputado. Encontram-se um dia e ela estava lindíssima. Algum tempo depois, como haviam se encontrado em dois outros bailes, o marido de Virgília convidou Brás para uma reunião íntima em casa. Brás, por essa época, escrevia textos literários e políticos num jornal. Foi justamente nesta noite que os dois antigos noivos tiveram um maior contato. A partir daí, reataram sua antiga união, sobre a qual o narrador relata vários encontros e a paixão que sentiam naquele momento. Certo dia, foi à casa de Virgília e encontrou-a triste, pois lhe parecia que seu marido desconfiava de alguma coisa. Para Brás, a melhor maneira de resolver o problema era que fugissem, mas Virgília não concordou. O marido chegou justamente nesse momento, e ela comportou-se como se nada hovesse acontecido, tratando Brás com enorme frieza, o que lhe dá terrível ódio de Virgília. No dia seguinte, ela o procurou com a idéia de que eles deveriam arrumar uma casinha onde se encontrariam, um lugar que seria só deles, já que sempre se encontravam na presença de outras pessoas, principalmente do marido. A casinha da Gamboa foi , de fato, a saída encontrada pelos amantes para que pudessem continuar seu romance, pois grande parte da sociedade desconfiava de que havia algo entre os dois, por isso os comentários estavam cada vez maiores. Assim, a casinha foi importantíssima. Ali colocaram, D. Plácida, uma velha amiga da família de Virgília e podiam encontrar-se com maior tranqüilidade. Algum tempo depois, entretanto, Lobo Neves foi convidado a ocupar uma presidência da provincia do Norte. Os amantes ficaram desesperados, mas a saída foi dada pelo próprio marido, que convidou Brás a acompanhá-lo como seu secretário. Estava ainda relutante, pois toda gente comentava seus amores com Virgília. Entretanto, o próprio Lobo Neves resolveu o problema ao recusar a nomeação. Tudo porque o drecreto que o nomeava trazia o número 13, que ele considerava fatídico por vários acontecimentos tristes de sua vida. Dessa forma, o casal continuou vivendo seu relacionamento da mesma maneira que antes, na casinha da Gamboa. Durante tais acontecimentos, Brás Cubas se reencontra com Quincas Borba, que está em uma situação deplorável, tornare-se um mendigo. Quincas acaba roubando o relógio de Brás nesse encontro. Ainda nesse período, ocorre a reconciliação com a família, motivo de alegria para o narrador, que volta a visitar regularmente a irmã Sabina. Ela, como sempre, continua insistindo na idéia de que Brás precisava se casar, um homem em sua posição não podia continuar sem um herdeiro para o nome da família. No entanto, o amor de Brás e Virgília, neste momento, vive seu ponto máximo, já que ambos haviam passado pela possibilidade de separação em virtude da nomeação de Lobo Neves, o que fortaleceu o sentimento que os unia. Além disso, Virgília disse estar grávida. Brás não perde a oportunidade de comentar que aquele era um embrião de "obscura paternidade", imaginava-o como sendo seu filho, dono de um belo futuro, vendo-o ir à escola, tornando-se bacharel e discursando na câmara dos deputados. Contudo, Virgília perdeu o filho que estava esperando. Além do mais, o marido recebeu uma carta anônima acusando os dois amantes. A mulher negou veementemente que aquilo pudesse ter qualquer fundo de verdade, mas como Lobo Neves ficara desconfiado, Brás afastou-se da residência do casal, mesmo porque o espaço da Gamboa continuava resguardado. Algum tempo depois, Lobo Neves acabou reatando suas relações com o Ministério, desgastadas devido à sua recusa em aceitar o cargo anterior, conseguindo desta vez uma posição de presidente de província. O narrador brinca com o número do decreto, 31 agora, ressaltando que a simples inversão dos algarismos bastou para que a vida tomasse novo rumo. Brás e Virgília mantém um curto diálogo antes da partida, despedem-se e ele conta que depois que ela viajou sentiu um misto de alívio e saudade em doses iguais. Não houve desespero, nem mesmo dor, o fato trouxe-lhe apenas alguns poucos dias de reclusão em sua casa e uma amostra do que era a viuvez. Morreram seu tio cônego, Ildefonso, e dois primos, pelos quais ele não sofreu. Também nesceu sua segunda sobrinha. Segundo ele, esta era a filosofia das folhas velhas, que caem e morrem, enquanto outras nascem.


Ele mesmo agitava-se de quando em quando e recorria às suas cartas de juventude. Tal reclusão, entretanto, como qualquer de seus pensamentos mais profundos, passou rapidamente, em especial pelo reaparecimento de Quincas Borba e seu envolvimento com dona Eulália, chamada familiarmente de Nhã-Loló. A jovem tinha dezenove anos, era filha de Damasceno, faltava-lhe certa elegância, segundo Brás, mas tinha belos olhos e uma expressão angelical. O narrador conheceu-a ainda quando Virgília estava no Rio de Janeiro e estava grávida. Sabina insistia na idéia de que Nhã-Loló seria uma excelente esposa para o irmão, que se esquivava por aquela época. Contudo, Quando se deu conta, estava praticamente nos braços da jovem e acabaram noivos três meses após a viagem de Virgília. Acontece, porém, que a jovem morreu repentinamente, antes do casamento, fato que nos vem anunciado não pela voz do narrador, mas sim pela apresentação do epitáfio. Em relação ao Quincas, ele reaparece após ter recebido uma herança e voltado a ocupar boa posição social. O narrador observa que o amigo está com um comportamento um pouco estranho. Quincas defende uma filosofia criada por ele mesmo, o Humanitismo. Diz o filósofo que o mundo é uma projeção de Humanistas, que seria a substância de todas as coisas existentes, da qual elas emanam e para qual convergem. Dito de outra maneira, para ele, todos os homens são iguais entre si, já que trazem consigo uma parte da tal substância original e todas suas atitudes têm uma explicação que busca o equilíbrio do mundo, mesmo que por meio da guerra e da violência, já que tudo deve voltar para onde começou. Nesse sentido, ainda na visão do filósofo Quincas Borba, mesmo aquilo que nos parece negativo tem uma função essencial. Segundo o seu sistema, a dor e o sexo são excluídos do mundo, enquanto a guerra, a fome e outras formas de violência existem para que o meio possa selecionar aqueles que são mais fortes. Os mais fracos não sobrevivem e assim deve ser. Além de tudo, devem sentir-se felizes também, já que estão tomando parte do sistema do Humanitas. Em outros termos, estes mais fracos, mesmo derrotados, estariam servindo de alguma maneira, ao princípio do qual descendem, que prevê tais injustiças como forma de equilibrar o mundo ou até mesmo de quebrar a monotonia universal. Brás Cubas, desde que conhece os princípios do Humanitismo até o final de sua vida, esteve tentando entender melhor tal sistema, sempre relacionando-o a algum acontecimento cotidiano de sua vida, questionando sua validade ou não. Articula, então, uma série de teorias e preocupações filosóficas, presentes inclusive em seu delírio.


Ali também a onça mata o novilho, pela sobrevivência, o mais forte vence o mais fraco. Segundo o Humanitismo, não há outra saída para a existência, de maneira que mesmo as coisas negativas devem ser vistas como necessárias e justificadas, por fazerem parte do sistema universal, por saírem daquela tal substância básica da qual saímos todos e para a qual voltaremos, segundo Quincas Borba. Quincas será um personagem com quem Brás se encontra muitas vezes a partir desse momento até sua morte. Quanto à vida diária, depois de algum tempo Brás tornou-se deputado e Lobo Neves voltou ao Rio. Ambos estavam na mesma câmara e Brás ouvia um discurso proferido pelo marido de Virgília. Não sentiu nenhum tipo de remorso e reencontrou a antiga amante num baile em 1855. Observou que contnuava muito bonita, ainda que fosse, claro, uma beleza diferente. Os dois conversaram muito, mas sem falar do passado. Brás teve alguns momentos de reflexão e uma certa tristeza. Tinha cinqüenta anos! Mas o Quincas garantiu-lhe que ele não poderia estar preocupado, já que era a idade da ciência e do amadurecimento. Brás decidiu então que participaria de maneira mais ativa nas discussões, já que tinha sido sempre um político afastado dos problemas, assim como era na vida pessoal. Almejava o cargo de ministro, coisa que também não conseguiu e nem mesmo a explicação através de Quincas sobre o Humanitismo, foi capaz de animá-lo. Passado algum tempo, Brás recebe uma carta de Virgília pedindo-lhe que vá ver dona Plácida, que está morrendo na miséria. Ele pensa recusar, mas acaba indo, ajuda a mulher que serviu de alcoviteira durante tanto tempo. Morre dona Plácida e Brás decide fundar um jornal, que era uma aplicação política do Humanitismo.


Era um jornal oposicionista, o que preocupou Cotrim, que rompeu relações com o cunhado. Algum tempo depois, morreu Lobo Neves, Brás Cubas reconciliou-se novamente com o cunhado e filiou-se a uma Ordem Terceira, responsável por ajudar as pessoas necessitadas. Cansou-se depois de alguns meses. Na Ordem Terceira encontrou Marcela, que morreu no mesmo dia em que ele visitava um cortiço no qual encontrou Eugênia, segundo ele, tão coxa como a deixara e ainda mais triste. Finalmente, Brás conta que Quincas partiu para Minas Gerais algum tempo antes e, ao voltar, estava louco. E, o mais triste e paradoxal, tinha consciência de sua loucura. O narrador explica que entre a morte do Quincas Borba e a sua aconteceram os episódios narrados no começo do livro, em especial a idéia fixa da criação do emplasto Brás Cubas. Conclui sua longa e entrecortada narrativa através de um capítulo que busca resumir a vida pela negação: não alcançou a celebridade, não foi califa, não se casou, não foi ministro. Entretanto, observa Que a negação também pode ser positiva: não padeceu a morte de Dona Plácida ou a demência do Quincas Borba. Assim, alguns leitores até poderiam imaginar Que ele saiu quite com a vida. Mas não. A negativa última revela o ceticismo do narrador em relação ao mundo, diz que ao não ter o filho seu saldo positivo, pois assim não transmitiu a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.


Notas


O autor, nesta obra, acabou com o sentimentalismo, o moralismo superficial, a fictícia unidade da pessoa humana, as frases piegas, o receio de chocar preconceitos, a concepção do domínio do amor sobre todas as outras paixões; afirmava-se a possibilidade de construir um grande livro sem recorrer à natureza, desdenhava-se a cor local, um autor colocava-se pela primeira vez dentro dos personagens.


O humorismo começa pela dedicatória do narrador: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes de meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas.” Em seguida, como que preparando o leitor para a revolução estética que o espera, Brás Cubas anuncia o espírito inusitado de sua obra: “Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. A visão irônica dos acontecimentos e dos pensamentos do narrador mesclada a comentários amargos e cínicos sobre a existência produz uma concepção de mundo absolutamente singular que estrutura todas as obras de segunda fase de Machado de Assis.


Além disso, Brás Cubas adverte que também o seu modo de narrar é inovador: “Trata-se, na verdade, de uma obra difusa”. O enredo de ações trepidantes, que vai num crescendo até o clímax, é completamente abandonado, cedendo lugar a episódios mais ou menos soltos, que se alicerçam em pormenores aparentemente banais, em considerações filosóficas abusadas e em tiradas humorísticas, tudo ilusoriamente desvinculado da história central. Brás Cubas usa um estilo de vaivém, interrompendo o fluxo da intriga para brincar com o leitor ou tecer algum comentário de fingida irrelevância. Quando, no entanto, o romance se fecha, os inúmeros episódios formam uma unidade, dando a este mesmo leitor a noção de um conjunto harmonioso e convincente.


Aspecto importante nas Memórias é o gosto pela citação que o narrador exibe. A cultura de Brás Cubas é enciclopédica, passando por todo o conhecimento geral da época. Esta cultura, entretanto, é examinada sob o ângulo da paródia. Todas as citações e referências são extraídas de seu contexto específico e remetidas para o contexto pessoal do narrador, como se este debochasse da tradição histórica e religiosa, colocando o saber culto de seu tempo de cabeça para baixo.


A escolha de um defunto autor para relatar a obra pode ser interpretada de vários ângulos. Alguns críticos vêem a morte de Brás Cubas como um símbolo do fim da concepção romântica que ainda se fazia presente nos romances de primeira fase de Machado de Assis. Outros sugerem um enfrentamento do escritor com as propostas do Realismo / Naturalismo, então em plena voga, já que uma fala vinda do túmulo contrariava os princípios de racionalidade e verossimilhança, obrigatórios aos autores daquela escola. Indiscutível, no entanto, é a idéia machadiana de que só um morto poderia apresentar os fatos de sua existência sem escrúpulos, sem fantasias e sem o temor da opinião pública. Só um morto – por não ter nada a perder – revelaria os seus intuitos mesquinhos, o seu egoísmo, a sua impotência para a vida prática e a sua desesperada sede de glória.


Brás Cubas não é a tradução ficcional de Machado de Assis. Esta confusão entre o autor e seu personagem advém da narrativa ser feita em primeira pessoa. Contudo, Brás Cubas visivelmente representa uma classe social que não é a de Machado. O ângulo com que o narrador examina o mundo é o dos grandes proprietários: trata-se de alguém que não trabalha, que vive parasitamente, de alguém cheio de caprichos, enredado com a falta de perspectivas de sua existência. A própria técnica de narrar de Brás Cubas, misturando irreverência e desrespeito a tudo e a todos, corresponde à desfaçatez da classe dominante brasileira do século XIX. Assim, os erros e transgressões do personagem expressariam o arbítrio e a falta de significado ético de uma elite historicamente condenada à destruição.


O procedimento básico de Brás Cubas em relação a sua vida é o do desmascaramento. Entre a norma social e a opinião pública, de um lado, e as intenções e desejos escusos do personagem, de outro lado, forma-se uma zona obscura que o narrador trata de esclarecer. Os “bons sentimentos são a máscara hipócrita” do egoísmo, do interesse e da luta pela glória. Instaura-se um terrível relativismo moral e emerge com freqüência certa noção da gratuidade e mesmo do caráter absurdo de certos gestos humanos. Episódio revelador desta dimensão inexplicável de alguns atos ocorre, por exemplo, no capítulo A borboleta preta. A borboleta invade o quarto de Brás Cubas e este, sem nenhuma razão plausível, a abate com uma toalha. Depois, ele tenta justificar a sua ação dando-lhe uma forma socialmente aceitável: “Também por que diabo não era ela azul?” Falsas racionalizações como esta são emitidas o tempo inteiro pelo narrador.


Personagem de grande significação na obra é Quincas Borba, antigo colega de Brás Cubas. Convertido em mendigo cleptomaníaco e filósofo, Quincas Borba expõe com hilariante seriedade um sistema de idéias designado como Humanitismo. A teoria do Humanitas é uma caricatura feroz ao positivismo e ao cientificismo dominantes na época. Paradoxalmente, o ridículo discurso filosófico de Quincas Borba, próximo da insanidade, – cujo lema darwinista é “Ao vencedor as batatas” – parece expressar a própria concepção machadiana de mundo, centrada na luta selvagem do indivíduo para estabelecer algum tipo de supremacia sobre os demais.


No capítulo O almocreve, Brás Cubas está sendo arrastado por um jumento, pois tinha sido jogado fora da sela ficara com o pé preso no estribo. Possivelmente morreria não fosse a corajosa intervenção de um almocreve (condutor de bestas de carga), que deteve o animal. A primeira intenção do narrador foi a de presentear o seu salvador com cinco moedas de ouro, depois pensou dar-lhe duas, uma moeda de ouro. Acabou metendo na mão do almocreve uma moeda de prata, mas ao afastar-se pensou com remorso que deveria ter-lhe dado apenas uns vinténs, racionalizando que o homem não tinha em mira nenhuma recompensa ao salvá-lo, cedendo apenas a um impulso natural.


O mais célebre capítulo do livro, porém, é O delírio. Em estado de transe causado pela febre, Brás Cubas é arrebatado por um hipopótamo que o leva a origem dos séculos. Surge então uma mulher imensa de contornos indefinidos que diz-se chamar Natureza ou Pandora. Quando, por fim, Brás Cubas vê de perto o rosto da estranha, percebe-lhe a impassibilidade egoísta e sua eterna surdez, ou seja trata-se de algo ou alguém indiferente ao clamor humano. Ela conduz o defunto autor ao alto de uma montanha e lhe permite contemplar a passagem dos séculos e entender o absurdo da existência, sempre igual, centrada apenas no egoísmo e na luta pela conservação. O personagem vê a história como uma eterna repetição.


Fontes:
http://www.passeiweb.com
http://www.resumosdelivros.com.br

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